quarta-feira, 9 de julho de 2008

O IRMÃO DA CARIDADE

Frei Damião vivia numa choça,
A mais humilde que idear se possa,
Um recanto perdido, entre serros perdidos,
Amparando aos doentes e aos caídos.

Mãos calosas na gleba, ele mesmo produz
O pão que come e a roupa que o reveste
E agora mais cansado, mais sozinho,
Acolhe os viajantes do caminho,
Quais se fossem Jesus.

Era assim que vivia o servo do Senhor:
Coração transformado em pousada de amor.
Aos romeiros sem lar, de visita à choupana,
A lhe pedirem rumo, amparo e vida nova
Sabia atenuar os rigores da prova,
Doando-lhes consolo à rude estrada humana.

Fosse ao pranto de mãe, fosse a triste mendigo,
Aos enfermos sem fé que o desespero alcança,
Aos famintos de pão, às almas em perigo
Entregava o socorro e a bênção da esperança.

Assim envelhecera Frei Damião
Sentindo Jesus Cristo em cada coração.

Quanto tempo vivera não sabia,
Auxiliava a todos, noite e dia...

Mais tarde, adoeceu... E, mesmo assim,
Curvado para a Terra, erguia as mãos trementes,
Socorrendo viajores e doentes,
Embora sempre a febre a recordar-lhe o fim...

De corpo gasto e desarticulado,
Numa noite de gelo, ele escuta um chamado:
— Damião, Damião, há mau tempo, abre a porta,
Liberta-me do frio que me corta!...

Levanta-se o velhinho e abre a cabana estreita,
Vê diante de si um enfermo que se arrasta,
Nota-lhe o corpo em lepra, a desfazer-se todo,
É um pedinte de estrada em chaga, sangue e lodo...

— Abriga-me hoje só — ele diz, suplicante.
— Damião não vacila e dá-lhe o próprio teto.

Lá fora, a ventania é o tumulto completo.
Ulula o furacão desatado e violento,
Tombam troncos viris aos arrancos do vento...

— Tenho fome, Damião — clama o recém-chegado —
O velhinho febril treme, avança, tateia,
Procura o pão guardado
E dá-lhe o pão que tem, entre o prato e a candeia.

— Tenho sede, Damião, pede o estranho viajor,
Trago a garganta em fogo, em tremenda secura...
Damião traz-lhe um pouco de água pura
E o pobre continua, em voz lenta e magoada:
— Tenho frio, Damião, sofri muito na estrada...
O irmão da caridade não hesita,
Dá-lhe a pele de uso que o recobre,
Entretanto, o infeliz, tão triste quanto pobre
Exclama: — estou cansado, a inquietação me agita,
Ajuda-me a dormir
Quero um leito, Damião...
Damião dá-lhe o leito e se deita no chão.
Mas o pobre na cama, agasalhado e quente
Roga em pranto: — Damião, tenho o corpo doente,
Aquece-me, por Deus, tenho a carne ferida,
Vem a mim!... Teu calor pode salvar-me a vida!...

Damião não vacila, ergue-se com carinho,
Ele conhece a dor dos tristes do caminho...
Lembra outras noites más, chuvosas e nevoentas,
E abraça-lhe, ao deitar-se, as chagas purulentas...

Mas nisso a choça escura se ilumina...
Damião sente um choque... E busca o itinerante
Mas já não vê o pobre suplicante...

Erguera-se o mendigo,
Mostra um rosto diverso e um sorriso sereno...
Ajoelha-se, à pressa, o irmão dos infelizes
E no pranto a banhar-lhe o rosto em cicatrizes,
Reconhece no estranho o Mestre Nazareno.

Ele fita em Damião o olhar de amor e luz,
E enquanto a tempestade estraçalha o arvoredo,
Como quem sente o Céu em divino segredo,
Damião deslumbrado,
Tendo o Amigo Celeste, lado a lado,
Diz apenas: Jesus!...

O Mestre se aproxima e fala-lhe, de manso:
— Damião, vem comigo,
Encontrarás agora o tempo do descanso...

No outro dia, mais cedo, outro irmão aparece
Vem rogar a Damião a bênção de uma prece,
Mas verifica em mágoa e desconforto:
O irmão da caridade estava morto,
No entanto, qual se o corpo imóvel resguardasse
Recôndito vigor,
Trazia na algidez da própria face
Uma expressão de paz e um sorriso de amor
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Meimei & Francisco Cândido Xavier
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